MANHÃS PRIMAVERIS
A paz...
As noites no campo não eram fáceis! Quantas vezes não precisou o pastorzinho desprezar a vontade de dormir para manter-se alerta á noite inteira. Havia sempre predadores à espreita. Era necessário velar com diligência o rebanho vulnerável no redil. E certamente o infante Davi atravessou longas madrugadas, entre um e outro salmo, enfrentando batalhas à queima roupa com leões, ursos, mercenários, a fim resguardar a imunidade das ovelhas. Mas todas as vezes que amanhecia, havia também um leve respirar e uma doce sensação de vitória, pois as diáfanas manhãs eram também sinal de que tudo estava novamente em perfeita paz.
Paz que não durou muito tempo. Mais feroz que o beligerante Golias, havia um inimigo que trajava vestes nobres, tinha insígnia real e o estigma de soberano ungido. Tinha motivos de sobra para ser grato ao infante guerreiro que trouxe-lhe a cabeça do seu arquiinimigo e mais duzentos prepúcios do exército oponente, todavia Saul apenas pensava em retribuir com emboscadas e a ponta de sua lança, obrigando o atordoado Davi a ir passar a noite inteira na relva, regando o travesseiro com choro, mas sabendo no fundo da alma, que a alegria viria pela manhã.
E foi numa outra manhã que o harpista se viu entronizado à postura de maior proeminência da nação, mas nem isso foi motivo para tréguas. Pelejas cada vez mais renhidas! Em muitas noites fugiu de casa e foi abrigar-se em cavernas inóspitas, prados lúgubres, ao relento, rodeado de espanto noturno e de setas da esduridão, pisando em campos minados, vendo mil cair de um lado e dez mil cair do outro, mas chegando à aurora intacto porque Deus fizera-lhe deitar, dormir e acordar debaixo ileso das batalhas.
Mas havia batalhas mais íntimas que também roubavam-lhe a paz. Sombras sinistras projetadas no espelho. Um vazio no peito do tamanho de Deus e o remorso terrível pelos momentos, em princípio auspiciosos, mas depois uma fonte de angústia, desespero e o pavor da perca do Espírito Santo. Foi a noite mais longa de sua vida. Mas depois de tanto choro, um refrigério no alvorecer e o alívio de saber que pela manhã as misericórdias de Deus se renovaram outra vez, junto com o nascer do sol.
E quantas vez esse mesmo sol demora a raiar na nossa vida! São noites que parecem intermináveis, regadas a lágrimas, soluços, gemidos inaudíveis, medos, preocupações, guerras travalhadas no nosso mais profundo âmago. Madrugadas intermináveis de angústia. Parece que a lua parou e não vai mais dar vez à alvorada. Pestes assolando no breu. Incertezas corroendo nosso coração, querendo minar a nossa pouca fé. Enquanto todos dormem, em nós um silêncio aflito, uma solidão colossal. Acontece que a noite também é passageira! Há sempre uma determinação de Deus para que as trevas dêem espaço ao dia e todo caos volte ao seu estado natural. Então a gente levanta os olhos e percebe pela fresta da janela que um raio adentrou no quarto. Que amanhaceu outra vez. Que a noite foi embora, levando consigo a dor, a tristeza, a culpa e o medo. Que o Sol radiante fulgura no céu, qual o brilho do rosto de Cristo. Que nos campos, o orvalho noturno fez as flores desabrocharem belas e perfumadas. Daí não nos resta outra alternativa se não admitir que, como as manhãs primaveris de setembro, as misericórdias do Senhor se renovaram na nossa vida, dando-nos a oportunidade de começar tudo outra vez, nos verdes pastos aos quais fomos levados por nosso Pastor.
No mais Sublime Ágape,
Gilson Hdorff
A paz...
ResponderExcluirGilson, que mensagem maravilhosa,
Que todas as nossas manhãs possam ser abençoadas, cheias de bençãos e da presença do nosso Deus....
Abraços...
Att...
Everton Estrela